Trabalhar no remanso do lar. Ser dono e senhor do seu tempo, das horas, do dia. Deixar o carro em casa, não se sujeitar a filas de trânsito, a colegas pulhas, a chefes grunhos a controlar as idas ao café. Poder não fazer a barba, não ter que usar gravata ou mesmo vestir roupa. Gerir o momento, decidir as pausas, recuperar o controlo da vida: ser um semideus entre as 9h e as 19h! É natural que este seja o sonho de muito amanuense de subúrbio. Mas é também o pesadelo de muito trader modernito que já sucumbiu ao peso da solidão, à indolência do pijama enquanto farda laboral, ao despertador atirado para o lado. Era pois preciso inventar qualquer coisa que os tirasse do buraco... vamos ver... um espaço amplo e não claustrofóbico - estão a imaginar? - onde pudessem trabalhar com gente e, acima de tudo, fora daquela prisão maldita que é a casa. Sim, longe da solidão. A isto chama-se natureza humana. E dá-se mal em espaços fechados e longe das tricas e do barulho do autoclismo do parceiro da frente.
Que estronço! Isto não faz sentido... É óbvio que trabalhar em casa é maravilhoso. Acordar, tomar o pequeno-almoço, caso tenha cônjuge e petizes dizer adeusinho e em 15 minutos ali está em todo o seu esplendor: o dia e o silêncio. Hum... uma voltinha pela casa, um cafezinho, uma bolachinha, uma horita pelo Facebook, 120 bocejos, uma zappada na TV e não é que já é hora de almoço? E chega à noite e pouco se avançou? E a data de entrega a aproximar-se? E levo computador para sala e os putos estão em cima de mim e a querida mulher agora está-me a partir a cabeça a dizer a estou a enlouquecê-la? A ela? E eu? E porque é que não tive ideia nenhuma? E há quanto tempo é que não saio de casa? E deixa-me ir falar com algum colega no messenger. Raios vou ficar a noite toda acordado! Eh-lá! Quem é esta que me apareceu no Facebook? Que grande par de...
Foi mais ou menos isto. O trabalho foi para casa. Enlouqueceu, engordou e baixou de produtividade, ficou ansioso, alucinado e até - imagine-se - "sem tempo para nada". Ao que se juntaram jovens entrepeneurs sem meios para ter o seu espaço próprio. E arranjaram a solução do coworking inventada algures em Nova Iorque ou Berlim ou São Francisco ou Madrid - mas que se espalhou de forma viral até chegar a Lisboa. É de facto simples, eficaz e não faz sentido para quem não tem a experiência de trabalhar em casa. Senão parece só uma coisa moderna para pessoal com ar maltrapilho, arquitetos, webdesigners e jornalistas sem poiso. Chega-se às horas que dá na gana e só tem de pagar uma pequena mensalidade pelo aluguer da secretária, da mesa, o que lhes dá acesso a todo o espaço, à logística, mas também a um estilo de vida puff/pingue-pongue/bicicleta pendurada/latte descafeinado e - caramba! - pessoas para falar, gente, outros que podem estar tão neuróticos como nós, mas são pessoas e que são uma network de carne e osso e espirram e falam ao telefone e ...parece o escritório mas não tem o Antunes a falar da reforma, mas o Tó a descrever o Lux de ontem à noite, tem cor e é fashion, mas, garantem, a produtividade cresce mais que cotão numa camisola da HM.
Mas há mais. Para os neobeduínos-hitech, os desgraçados que andam de lounge de aeroporto e hall de hotel com o trabalho aprisionado no Mac este é também um conceito viável, pois em muitas cidades do mundo é possível alugar um 'escritório' num espaço coworking, que anda nos 12/20 euros por dia e onde encontra comunidades e fauna para interagir. O que convenhamos é preferível à CNN do quarto ou ao casalinho entediado do Starbucks.
É claro que muitos dirão que se lhe acontecer trabalhar em casa que nada irá ser assim, que saberá cumprir e não necessitará de 'recorrer' ao coworking. Bom, diz a experiência que na primeira semana todo o autopatrão freelancer tem a determinação de Belmiro de Azevedo, na segunda já tem as reivindicações de um Carvalho da Silva e na terceira as convicções de um velho e gordo anarquista.
Uma das perguntas que mais leitores me colocam é como consigo arranjar tempo para fazer tudo o que faço?
O meu dia começa às 11h30min. No passado começava bem mais cedo, mas à medida que deixei de negociar na Bolsa portuguesa e apenas no mercado americano, os meus horários foram ajustando-se em função dessa decisão. Essas horas de final da manhã são passadas a colocar-me a par do que se está a passar nas Bolsas europeias e a ler tudo o que foi escrito no caldeiraodebolsa.com. A gestão e moderação do maior fórum português exige muito mais do que aquilo que alguma vez pensei e do que vocês imaginam.
Por volta das 13h30min, almoço em breves minutos, pois é chegada a hora de afinar o plano de “trading” para o mercado americano que abre às 14h30min, hora portuguesa. A partir daí começa o frenesim e as emoções fortes. Controlando as cotações, vou verificando as acções e os índices que tocam nos meus pontos de entrada e saída, agindo em consonância com o planeado.
A televisão está sintonizada na CNBC, alternando o seu som com a da música que toca na aparelhagem. Enquanto acompanho os mercados, prossigo o acompanhamento de notícias e análises em alguns sites americanos. Ou seja, mesmo a milhares de quilómetros, tudo me parece perto. Basta querermos.
Pelas 16h30min chega a altura de fazer a primeira pausa. Durante uma hora, saio de casa e dou um pequeno passeio a pé pelas ruas ou nas praias que ficam aqui ao lado. Por mais paradoxal que possa parecer, esta minha hora de pausa é dos momentos mais decisivos do meu dia de “trading”. Esse intervalo é fundamental para relaxar da tensão brutal que rodeia esta actividade e recarregar forças para a segunda metade da sessão.
Mas – curiosamente – é também muitas vezes nessa hora que me surgem leituras mais racionais sobre o mercado e consigo afastar-me um pouco das emoções dos números. Sempre que o mercado está mais agitado e abdico dessa minha pausa de uma hora, os resultados têm sido maus, pelo que cada vez mais faço questão de cumprir religiosamente esse passeio de uma hora a pé.
Depois disso, regresso ao trabalho e todas as atenções ficam centradas no mercado americano, onde continuo a negociar até ao fecho que ocorre às 21horas portuguesas.
Janto sem tempo para grande descanso e, por volta das 23h30min, já estou de novo em frente ao PC, a estudar os gráficos de cerca de 200 acções, preparando a sessão do dia seguinte. São cerca de 3 horas de observação de padrões e definição de estratégias que me facilitam todo o trabalho do dia seguinte, onde tudo já está sistematizado. Por volta das 4 da manhã, está todo o trabalho feito e preparadíssimo para adormecer, pois no dia seguinte começa uma nova jornada de emoções fortes nos mercados.
Trabalho sempre em casa, criando situações tão curiosas como a de não conhecer os meus colegas de trabalho. Os textos e gráficos chegam por mail. Trabalhar em casa tornou-se uma nova possibilidade, graças a essa maravilha chamada Internet. Para um “trader”, acredito que a tranquilidade da sua casa pode ser uma grande vantagem, podendo escolher o seu ambiente perfeito para negociar.
Tenho uma boa vida. Mas sei que se me desleixar, trabalhando menos, os resultados começarão a deteriorar-se, porque o “trading” exige muito trabalho, tal como qualquer outra actividade. Acredito que só pode ser um grande “trader” quem amar muito este mundo dos mercados, senão jamais conseguirá aguentar o ritmo de trabalho e a pressão dos lucros e das perdas.
Eu adoro o que faço, mas confesso que quando chega Sexta-feira à noite, sinto um peso enorme a sair-me dos ombros e uma necessidade enorme de, durante dois dias, esquecer que existem mercados e relaxar ao máximo durante o fim-de-semana. Há que aproveitar ao máximo pois no domingo, às 23h30min, há mais 250 gráficos para analisar.
São assim as 24 horas da vida de um “trader”. Afinal, a imagem de um homem de fato e gravata, com um telemóvel no ouvido no meio de centenas de pessoas aos berros, não é obrigatória para um “trader”. No aconchego do lar, de pijama e com música a tocar na aparelhagem, é possível negociar em todo o mundo. E escrever este blogue…